7.10.07

Grande estréia!

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, mais conhecido por sua sigla IPEA, já começa a mostrar sinais de que está nas mãos de pessoas que se dedicarão ao reerguimento da instituição, ao compromisso com a população brasileira e à recuperação do desgaste sofrido pelo indevido uso da sua griffe nas últimas décadas.
E quais são esses "indicadores"?
No sábado, dia 05 de outubro, a Folha de São Paulo publicou um artigo de João Sicsú, o novo diretor responsável pelo IPEA -Rio, onde demonstra a situação de penúria em que o Estado brasileiro se encontra, incapaz de prover os serviços essencias de saúde e educação à grande maioria da nossa população. Isso apesar da imensa arrecadação de tributos, usual foco do ataque do setor empresarial, financeiro de das classes da população de maior renda.
Até então, as vozes que se alevantavam no IPEA-Rio, na última década, pelo menos, gritavam que o governo gasta mal, que o Estado precisa encolher, e coisas do gênero, enfim, um certo alinhamento e/ou ventriloquismo do que pregavam os setores financeiros e empresariais.
Em seu texto (transcrito abaixo) ele lembra que a carga tributária alta não é, em si mesmo, uma coisa ruim, mas a questão está na "entrega" de serviços de qualidade à população como retorno dessa cobrança. Mas o que está acontecendo em nosso país é que os recursos não existem para contratar professores, médicos, enfermeiras, pois é em sua grande parte dirigido para pagar os juros da dívida pública.
Quem se beneficia disso? exatamente aqueles que mais "gritam" contra a cargo tributária que os enriquece...
Esse artigo do Sicsú mereceu um comentário do Clóvis Rossi, na mesma Folha, hoje, domingo, dia 07 de outubro (vejam transcrição integral, mais abaixo). E Rossi coletou mais argumentos em um trabalho de Sicsú. Lembra o articulista da Folha que, de acordo com esse estudo (grifos são meus), "no primeiro mandato do presidente Lula os juros comeram R$ 587,9 bilhões. Correspondem a 25% de tudo o que país produziu em 2006, à imponente média de algo em torno de 6% ao ano. Para comparação, sempre segundo a mesma fonte: com educação, os gastos somaram R$ 62,3 bilhões; com saúde, R$ 136,3 bilhões."
E segue Rossi em sua coluna de hoje: "Como lembra freqüentemente Marcio Pochmann, ex-Unicamp, ex-secretário de Marta Suplicy e hoje presidente do Ipea, 80% do que é pago de juros vai para o bolso de apenas 20 mil famílias, a elite da elite...".
(A propósito: o "Impostômetro" citado por Rossi diz que mede os impostos que a população paga: mas não será a medida das imposturas teóricas e práticas dessa gente? qual será a "taxa de sonegação" embutida no medidor? quanto que os consumidores pagam de impostos embutidos nos produtos e que não são recolhidos aos cofres da Viúva?)

Acho que a nova direção do IPEA vai focar efetivamente quais são os principais problemas do país e a instituição poderá voltar a dar uma significativa contribuição para o encaminhamento de soluções em benefício da população brasileira.
Com minha torcida e votos de muito sucesso!
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Folha de São Paulo, 05.10.03, página 3, Debates

JOÃO SICSÚ
Vitamina contra o nanismo estatal

Uma carga tributária elevada é inaceitável apenas quando os impostos são altos e os serviços públicos são precários

É FUNDAMENTAL analisar o Orçamento público e o tamanho do Estado, ou seja, sua capacidade de gerar bem-estar. Aparentemente, essas coisas estariam relacionadas: quanto maior o Orçamento, maior a capacidade do Estado de ofertar serviços e bens públicos de qualidade. Entretanto, a máxima "as aparências enganam" aplica-se aqui: o Orçamento no Brasil tem tamanho considerável, aproximadamente 40% do PIB, mas o Estado brasileiro sofre de nanismo.
O tamanho do Orçamento mede-se pela carga tributária mais a capacidade de realização de déficits públicos. A carga tributária e o tamanho do PIB são as variáveis que explicam a arrecadação. Já a capacidade de endividamento depende, especialmente, da confiança do público na capacidade do governo de honrar a sua dívida.
O nanismo de um Estado pode ser examinado por meio de uma variável-síntese: o número de fiscais da receita pública por 1.000 km2 de um país. O argumento é que a meticulosa arrecadação de impostos, o combate à sonegação e a criminalização de atividades econômicas ilícitas seriam necessários para sustentar um Estado -do ponto de vista moral e da necessidade de seu financiamento para realizar múltiplas atividades. Tais critérios são sempre arbitrários e passíveis de sofrer críticas. Mas é melhor utilizar algum critério, ainda que reconheçamos sua limitação. Segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), para o ano de 2004, o Brasil possuía 0,9 fiscal para cada 1.000 km2 de território. Já a Bélgica possuía mais de 310 fiscais, a Holanda, 227, e o Japão, mais de cem. No ranking de países não pertencentes à OCDE, o Brasil ocupou a última colocação: o Estado brasileiro é o nanico da sua turma.
A carga tributária brasileira elevada não deve ser considerada, a priori, como uma carga negativa. Uma carga tributária elevada é inaceitável somente quando ela é non-delivery, ou seja, não entrega o prometido: quando os impostos são altos e as ofertas públicas são precárias, isto é, quando paga-se uma elevada carga tributária e ainda se pagam caros planos de saúde e escolas privadas porque escolas e hospitais públicos não têm qualidade. Nessas ocasiões, a sociedade tende a desenvolver um sentimento antiestatal e a propaganda liberal do "Estado ineficiente" ganha ressonância.
O Estado brasileiro é nanico porque o governo gasta de forma ineficiente e exagerada, pagando juros inaceitáveis relativos à divida pública. Entre 2003 e 2006, o Banco Central gerou para a União uma despesa nessa rubrica de aproximadamente R$ 600 bilhões. Se o BC tivesse economizado a metade, o governo federal poderia ter realizado dezenas de PACs já no primeiro mandato do presidente Lula.
Uma "vitamina" que o Estado precisa tomar para superar o seu naniquismo é a contratação de fiscais, professores, engenheiros, médicos, pesquisadores e policiais. O governo não tem recursos para essa "vitamina" porque tem sido um gastador exuberante; desperdiça um volume enorme de recursos na forma de pagamento de juros, o que debilita o próprio Estado, acentuando seu nanismo. Por meio de concursos públicos e pagando salários dignos, o Estado poderia ser revigorado, absorvendo profissionais de alto nível para servir a sociedade que paga uma elevada carga tributária. Mas o que se vê é o Orçamento desperdiçado com gastos exorbitantes que não geraram empregos nem bem-estar. O governo precisa melhorar a qualidade do seu gasto, comprando "vitamina" no lugar de pagar juros não civilizados.
JOÃO SICSÚ é diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor do Instituto de Economia da UFRJ. É autor do livro "Emprego, Juros e Câmbio" (Campus-Elsevier, 2007) e co-autor e organizador do livro "Arrecadação (de onde vem?) e Gastos Públicos (para onde vão?)", Boitempo Editorial, 2007.
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São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007, página 2
CLÓVIS ROSSI
O "jurômetro"

SÃO PAULO - Nada contra o "impostômetro" montado pela Associação Comercial para mostrar o quanto o brasileiro paga de impostos. Mas o placar só ficaria completo se alguém se dispusesse a montar o "jurômetro", o quanto o governo paga de juros aos detentores da dívida pública.
Houvesse tal contagem, o brasileiro ficaria sabendo que é o pagamento de juros o maior responsável pelos números altíssimos do "impostômetro".
No primeiro mandato do presidente Lula, conforme compilação de João Sicsú, economista hoje no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), para a revista "Rumos do Desenvolvimento", os juros comeram R$ 587,9 bilhões. Correspondem a 25% de tudo o que país produziu em 2006, à imponente média de algo em torno de 6% ao ano.
Para comparação, sempre segundo a mesma fonte: com educação, os gastos somaram R$ 62,3 bilhões; com saúde, R$ 136,3 bilhões.
Como lembra freqüentemente Marcio Pochmann, ex-Unicamp, ex-secretário de Marta Suplicy e hoje presidente do Ipea, 80% do que é pago de juros vai para o bolso de apenas 20 mil famílias, a elite da elite, essa que o petismo ama atacar, mas alimenta caprichosamente ano após ano (como o fazia o governo anterior, aliás).
Como diria o próprio Lula, nunca neste planeta se transferiu tanto dinheiro do conjunto dos contribuintes para os ricos mais ricos.
Não há a mais leve perspectiva de que essa transferência maciça seja reduzida nos próximos anos. Logo, fica sendo mais uma bravata sem sentido a tese (de resto correta) de Lula segundo a qual o governo deveria "contratar mais gente, mais qualificada, mais bem-remunerada, porque aí teremos também serviços de excelência prestados para a sociedade brasileira".
É tudo o que não existe nem vai existir no futuro próximo.

2 comentários:

Marcos Rocha disse...

Prezado Maurício:

Este número do estudo do João Sicsú é deveras impressionante: 588 bilhões de juros pagos em quatro anos: dá uma média de 147 bilhões/ano. E essa grana toda, segundo o Pochmann, fica nas mãos de 20 mil famílias. Ok, o diagnóstico está perfeito e a crítica é procedente.
Acho que todos estamos de acordo de que os juros precisam baixar. Mas como? Qual é o caminho das pedras?
Por decreto, não há de ser. Seria interessante que os dois brilhantes economistas petelhos (ou petistas, se preferir assim), estando agora aparelhados dentro do Governo Lula, em cargos bastante estratégicos, produzissem alguns papers apontando a solução para essa queda rápida da taxa Selic e dos juros internos. E convencendo, pela ordem, o Henrique Meirelles, o Guido Mantega e o próprio Lula de que tal solução é exequível.
Se isso acontecer, talvez eles ganhem o primeiro Prêmio Nobel para o Brasil -- e ainda por cima o de Economia. Seria a glória nacional desse início de século 21.
Abração, meu caro.

Marcos Rocha
10/10 - 00:48

Maurício Galinkin disse...

Caríssimo (afetivo, não de "juros" ...) Marcos,
O que acontece é que os juros são determinados pelo tal COPOM, a partir de "indicações", "tendências", e certamente até mesmo "premonições" e "preconceitos" de seus membros, não há como separar isso tudo pois nada é exato, e nem tudo muito explícito.
A economia vai bem, as reservas cambiais ótimas, as exportações estourando apesar do câmbio altamente desfavorável, e os juros na estratosfera do mundo segurando investimentos privados e, o que é pior, sangrando os cofres públicos nessa montanha de dinheiro que você tomou conhecimento.
Se baixarmos os juros, mesmo drásticamente como eu acho imprescindível (acho que temos margem para reduzir a dois terços do atual nível, sem maiores problemas a não ser pros banqueiros e as 20 mil famílias...), teremos um boom de investimentos para aumentar a capacidade produtiva do país, repercutindo inicialmente no setor de bens de capital e se espraiando pela economia como um todo, muitos empregos formais gerados, a economia informal absorvendo gente que nem nela consegue entrar hoje, e um clima positivo na vida das pessoas com a perspectiva de emprego, renda, etc.
Mas tem mais!, como diz aquela propaganda da TV: o governo passaria a dispor de recursos para melhorar efetivamente o atendimento à população nas questões de saúde e educação, recursos também para investir em infra-estrutura, etc.
Keynes, meu caro, (se quizer, podemos ir ao Karl...) não precisa chegar ao Nobel, pois será a aplicação de teorias existentes e provadas, nada de novo sob o lindo ceu deste outubro aqui no Planalto Central do país.
E olha, acho que não dá para pregar nesses dois o rótulo de "petelho" (que concordo, se aplica à maioria...), pois têm trabalhos consistentes até mesmo com as propostas idealistas iniciais do PT (quando eles diziam que eram os "verdadeiros" representantes do proletariado, e a gente já achava que eram um "equívoco histórico" - o que agora mais que provado ficou - lembra?).
Grande abraço, companheiro.