29.8.07

Veja o vídeo da truculência em Juína, MT

O Greenpeace produziu um vídeo com as imagens da truculência que ocorreu em Juína, MT. (comentado anteriormente no post Juína, MT: "autoridades" desconhecem Constituição Brasileira)
As imagens registram como o prefeito local revogou direitos fundamentais dos cidadãos garantidos pela Constituição Federal, e a violência que impera na região.
Polícia Federal neles!
Veja aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=q9esNX7bzHY

Bem-vinda, Profª Conceição!

Ontem, a professora Maria da Conceição Tavares voltou a dar aula pública, o que é uma ótima notícia para todos que, como eu, nas últimas quatro décadas, aprenderam a admirá-la por sua lucidez, coragem e fala sem "papas na língua"!

Percebi, na reportagem realizada pela Folha de São Paulo, que ela ainda não encontrou melhor explicação para o "aquecimento" da economia brasileira (e a forte demanda por bens de consumo duráveis e não duráveis, acrescento eu) que vá além da oferta de crédito (com maior prazo de pagamento, MG) e do maior poder de compra do salário mínimo.

Eu achava que -um pouco afastado da economia macro no último decênio, lidando mais com questões ambientais - não estava conseguindo discernir bem o que está se passando. Essa declaração da Conceição foi um grande alívio para mim, que estava me sentindo obnubilado, enferrujado.

De acordo com reportagem de Janaína Lage, na FSP de hoje, 29.08.07, Conceição afirma que "o país está vivendo um ciclo de crescimento desde 2006, com aumento do crédito e do salário mínimo. Esses fatores reativaram o mercado interno, mas, segundo ela, ainda restam dúvidas sobre o modelo de desenvolvimento do país, principalmente com os gargalos na infra-estrutura."

Leal ao presidente da República e ao seu partido, ela procura uma comparação engrandecedora para a paralisia governamental, ao afirmar que o "PAC vai rastejando assim como as metas de JK [de fazer o pais "avançar 50 anos em 5".] rastejaram no começo".

A falta de um Plano, de uma proposta de futuro para o País, não mereceu críticas da querida professora, como certamente ocorreria no passado. Para compensar, muito pessedista mineira (!!) afirmou, de acordo com a citada repórter, que "Sem a solução para os gargalos ... fica difícil antever o cenário de longo prazo ... e que ainda não é possível prever se a reativação do mercado interno é um ciclo de curta expansão ou duradouro.

"Isso aqui não é a Argentina ou o Chile", afirmou, em referência à hipótese de desindustrialização, certamente com seu tom de sempre, sem se preocupar com as questões partidárias ou da diplomacia.

Mais uma vez, bem-vinda, professora Conceição, não volte a ficar quieta e que sob seus holofotes volte a iluminar seus eternos alunos!

28.8.07

Os velhos mecanismos de destruição e concentração do Capital

O velho barbudo analisou muito bem os mecanismos de avanço do sistema capitalista, e ressaltou os seguidos movimentos de destruição e concentração do capital.
Lendo as notícias de hoje sobre o agronegócio, no site Sonotícias/Agronoticias (http://www.sonoticias.com.br/agronoticias/), essa engrenagem fica clara nas palavras do repórter, ainda que ele possa ignorar o que escreveu o velho pensador.

A notícia, na realidade, vem do jornal Valor Econômico, e diz que os médios e grandes produtores de soja apostaram alto e estão perdendo, com a única solução para ficarem solventes sendo a venda de suas terras para o "mega-produtores" (com mais de 100.000 hectares de plantio).

E dentro do próprio setor, a perspectiva é -de acordo com o produtor José Nardes -de que "Em dez anos, Mato Grosso vai estar nas mãos de 15 ou 20 mega-produtores".
Vejam um extrato da notícia do Valor Econômico, transcrita pelo Agronotícias:

"Cresce ainda mais a concentração na produção agropecuária em Mato Grosso
28 de agosto de 2007 - 09:50h
Autor: Valor Econômico

Principal produtor de grãos e fibras do país, Mato Grosso experimenta um momento de aprofundamento da concentração da produção agropecuária. Grandes produtores foram levados a deixar o processo produtivo por causa do recente período de crise de renda no segmento de grãos. Nos últimos três anos, os mega-produtores do Estado avançaram sobre 1,3 milhão de hectares de terras produtivas, segundo analistas do mercado financeiro e de agentes locais ouvidos pelo Valor. Nas próximas safras, outros 1 milhão de hectares em mãos de médios produtores podem mudar de donos.

A elevação nos custos de captação do dinheiro, o atraso na entrega de insumos e a redução do volume de crédito levaram cerca de 500 grandes e médios produtores de Mato Grosso a sair da atividade. O agravamento das dificuldades na gestão das propriedades transferiu pelo menos 600 mil hectares a outros produtores. Em Primavera do Leste, no sul do Estado, apenas seis produtores detêm metade dos 320 mil hectares de lavouras. "Em dez anos, Mato Grosso vai estar nas mãos de 15 ou 20 mega-produtores, prevê o produtor José Nardes, presidente do sindicato rural do município, que arrendou 6 mil de seus 7,5 mil hectares a outros colegas.

Os investimentos pesados em maquinários e a abertura de novas áreas de produção geraram uma dívida em reais, mas na quitação dos débitos houve frustração de safra, sem a devida cobertura de hedge cambial. "Vamos fazer caixa e pagar os credores que faltam", diz o empresário e prefeito de Rondonópolis, Adilton Sachetti. Dona de um dos maiores empreendimentos rurais do Estado até 2005, a família planta hoje apenas 3 mil dos 70 mil hectares outrora cultivados. Foram arrendados, por meio de parcerias, 22 mil hectares.

A procura por mais terras não pára, e os preços têm subido. Um hectare custa hoje até R$ 5 mil em áreas mais cobiçadas. Antes, havia negócios entre R$ 2 mil e R$ 3 mil. O movimento beneficia os tradicionais arrendamentos e o novo sistema de parcerias, onde quem tinha mais capital fez um acordo para tocar as operações e dividir os lucros. "Mas até agora os resultados não têm chegado para quem cedeu a terra", critica Carlos Ernesto Augustin, grande produtor da Serra da Petrovina, que não aderiu às parcerias. "É um modelo insustentável a médio prazo. Quem fez parceria dificilmente volta a produzir novamente", reforça o produtor Rogério Salles, de Rondonópolis, outro crítico do processo.

Mesmo com a melhora na situação financeira do setor, a concentração deve continuar. No mercado local, estima-se que uma parte dos 5 mil médios produtores de soja no Estado, cujas fazendas têm entre 500 e 2 mil hectares, ainda corre risco de deixar a atividade nas próximas safras.

A "classe média" segue pressionada pelo menor poder de barganha com tradings, multinacionais de defensivos e fertilizantes, além de bancos. A situação é agravada pela demora do governo em fazer chegar ao campo a ajuda anunciada. .... Há 300 grandes produtores, que plantam de 10 mil a 15 mil hectares, prontos para arrebatar as terras dos menores. "Sem dúvida, esse movimento preocupa muito", diz Olímpio Vasconcelos, gerente de Mercado de Agronegócios do Banco do Brasil em Mato Grosso.

Os problemas decorrem, sobretudo, de complicações cambiais e climáticas. Nas últimas três safras, os produtores plantaram com a cotação de dólar em alta e colheram na baixa. Até 2004, quando começou a crise de renda, os produtores administravam seus passivos com a abertura de novas áreas. Com demanda em alta e a margens crescentes, havia ânimo para ampliar as operações. Mas os custos de produção dispararam. Atreladas ao real, mão-de-obra e óleo diesel desequilibraram ainda mais as finanças.

O governador do Estado, Blairo Maggi (PR), acredita que a tendência da concentração está "estancada" no curto prazo. "Essa tendência já parou de crescer. Não vamos avançar mais do que isso", diz Maggi, cujo grupo é apontada como o maior produtor mundial de soja em 130 mil hectares. "São contratos de cinco anos. O produtor saiu da ciranda financeira, mas vai voltar a produzir". Dono da Vanguarda do Brasil S.A, o mega-produtor Otaviano Pivetta planta 170 mil hectares de soja, algodão, milho e arroz em onze fazendas. Sua empresa, que tem faturamento de US$ 197 milhões, já incorporou 40 mil hectares em parcerias com outros produtores. ...

... mega-produtores como os irmãos Eraí e Eliseu Maggi Scheffer, primos de do governador Blairo, já concentram mais de 250 mil hectares, boa parte cultivada no sistema de parceria - 22 mil da família Sachetti. Outro grande produtor, Nelson Vígolo, de Rondonópolis, também entrou nas parcerias e já ultrapassou a marca de 120 mil hectares plantados."

27.8.07

Juína, MT: "autoridades" desconhecem Constituição Federal

A gente sabia que o Faroeste reinava na Amazônia, mas fatos como esse que ocorreram em Juína, MT, abaixo descritos, não deixam de chocar, revoltar e indignar.

É preciso que o Estado Nacional esteja presente na região, e que "autoridades" locais como as de Juína, além de pessoas truculentas e agressoras como essas sejam processados e punidos com o rigor da lei.
Minha total solidariedade com os companheiros do Greenpeace, da OPAN, o povo indígena Enawene Nawe, os funcionários da FUNAI e os jornalistas que os acompanhavam.

É preciso que organizações como FBOMS, OAB nacional (pois um representante local da OAB foi, no mínimo, conivente com tudo), ABI, FENAJ, entre outras, manifestem sua indignação e repulsa com os autores desses constrangimentos ilegais. Membros da Câmara e do Senado, bem como as instâncias superiores do Poder Judiciário também devem ser mobilizados.

Vejam, a seguir, descrição dos fatos enviada por Paulo Adário, que chefia o projeto Amazônia do Greenpeace:
Data: Domingo, 26 Aug 2007

Meus caros:

O caso a seguir se refere a ameaças à Operação Amazônia Nativa (OPAN) e ao povo indígena Enawene Nawe, bem como a jornalistas internacionais e à equipe do Greenpeace que os acompanhava a Juína (MT) - ameaças estas feitas por representantes do poder público local e por fazendeiros da região nos dias 20 e 21 de agosto. No dia 23, já em segurança em Cuiabá, apresentamos denúncia formal ao Ministério Público Federal, solicitando providências que garantam a integridade física dos membros da OPAN, que apóiam os Enawene; dos próprios indígenas ameaçados, e que assegurem o respeito ao direito constitucional de ir e vir e a liberdade de imprensa. Os fatos narrados resultaram na expulsão, por um grupo de fazendeiros e políticos locais, de dois representantes da Opan, dois jornalistas franceses e uma jornalista brasileira, um cinegrafista canadense, um fotógrafo brasileiro e dois ativistas do Greenpeace, entre eles o jornalista e coordenador do Greenpeace na Amazônia, Paulo Adario. Como comprovação dos fatos, apresentamos ao procurador Mario Lucio Avelar, do MPF-MT, um DVD com cerca de duas horas de imagens feitas em Juína.
O texto abaixo faz parte do documento entregue ao Procurador Federal.

Dos fatos:

Na tarde de 20 de agosto de 2007, domingo, avião do Greenpeace com a equipe de jornalistas pousou no aeroporto de Juína. Nos dirigimos ao Imperial Palace Hotel, onde encontramos os integrantes da OPAN, Edison Rodrigues de Souza e Juliana de Almeida.

O Greenpeace está documentando desmatamentos e queimadas na Amazônia. Nosso grupo estava de passagem pela cidade em direção à terra indígena Enawene Nawe. O objetivo da escala em Juína e ida à aldeia Halatakwa, situada na TI Enawene Nawe, era fazer um trabalho jornalístico para mostrar que aquele povo indígena - que vive de agricultura e pesca - tem uma convivência sustentável com a floresta e a diversidade biológica apesar de fazer pequenos desmatamentos para suas roças e barragens provisórias para a captura de peixes. A ida à aldeia foi autorizada pela liderança indígena que, em contrapartida, pediu que levássemos alguns líderes para sobrevoar a região onde está prevista a construção de PCHs que poderão impactar os rios de onde retiram seu alimento. Os jornalistas franceses documentavam ainda o trabalho do Greenpeace e a relação entre a entidade ambientalista e grupos locais.

No final da tarde de domingo, pouco depois de nossa chegada ao hotel, fomos abordados por três fazendeiros - dois homens e uma mulher - querendo saber quem éramos e o que estávamos fazendo em Juína. Entre os fazendeiros estava o sr. Aderval Bento, que se apresentou como presidente da associação dos produtores rurais do Rio Preto (Aprur). Ele queria saber se nós éramos antropólogos de um grupo de identificação da área do Rio Preto. Segundo ele, a área onde estão localizadas suas fazendas é reivindicada pelos indígenas Enawene Nawe, e que essa demanda seria estimulada pela OPAN. O sr. Bento fez duras críticas à organização. Esclarecemos que ele estava equivocado, que nosso destino era a aldeia indígena e não a região do Rio Preto, e nos identificamos como jornalistas. Suspeitamos que nossa presença tenha sido comunicada aos fazendeiros pelo proprietário do hotel, um senhor de origem portuguesa que teria uma propriedade no Rio Preto, informação que não podemos confirmar.

O representante da Opan Edison disse que são os indígenas quem reivindicam a reintegração de parte do território tradicional que teria ficado de fora da demarcação e que contém uma área de pesca cerimonial, fundamental nos rituais sagrados dos Enawene. Segundo Edison, a Opan não os estimula a reivindicar a área do Rio Preto. Essa informação nos foi confirmada posteriormente, em Cuiabá, pelo coordenador geral da Opan, Ivar Busato.

Os três fazendeiros disseram do tipo “Então é o você o Edison, que está por trás disso tudo”. O comentário nos pareceu conter uma ameaça velada ao representante da Opan.

Os fazendeiros ficaram ainda mais irritados quando souberam que jornalistas integravam o grupo que estava no hotel. Disseram que havíamos ido lá levados pela Opan, o que, como foi explicitado acima, não é correto. Nos foi dito claramente pelo grupo de fazendeiros que eles iriam se opor ao processo de reconhecimento da área e não iriam admitir a perda das terras que dizem ser suas. Foi uma conversa tensa.

Na manhã seguinte, o hotel onde estávamos foi cercado por mais de uma dezena de fazendeiros, entre eles o presidente da Câmara Municipal de Juína, que exigiram esclarecimentos sobre os objetivos de nossa viagem. Foi-lhes explicado que a viagem não se destinava à área em disputa mas à aldeia indígena Halatakwa, situada na TI Enaewne Nawe, terra essa já demarcada e homologada pelo governo federal. Os fazendeiros não acreditaram. Um deles segurou Paulo Adario pela gola da camisa, ameaçador. O presidente da Câmara exigiu que o coordenador do Greenpeace se identificasse e abandonasse a idéia de ir à terra indígena. Tanto o pedido inusitado de identificação quanto a proposta de abandonar nosso objetivo foram rejeitados por serem descabidos. O grupo visitante foi intimado pelos fazendeiros e o presidente da Câmara a seguir para a Câmara Municipal, onde uma sessão especial foi rapidamente organizada por convocação dos fazendeiros e do presidente da Câmara. Naquelas circunstâncias, sentimo-nos coagidos a obedecer para evitar conflitos que inviabilizassem a viagem e aumentassem os riscos a que estão submetidos tanto a Opan quanto os Enawene.

A reunião na Câmara foi longa, tensa – durou cerca de 6 horas – e marcada por ameaças diretas ou veladas. Estavam presentes o prefeito da cidade, Ilton Campos; o presidente da Câmara, conhecido como Chicão; o presidente da OAB local, o presidente da associação dos fazendeiros da região do Rio Preto, Aderval Bento; um senhor que foi anunciado como presidente da Associação Comercial, Geraldo Bento; o diretor da Fiest e presidente do sindicato dos madeireiros, Paulo Perfeito; vários vereadores e mais de 50 fazendeiros. E também a polícia, além do tenete-coronel PM Gil, comandante do Comando Regional VIII da Polícia Militar da região. A sessão variou entre um debate e um clima de interrogatório policialesco pleno de ameaças. Os fazendeiros repetiram que a entrada do grupo na terra Enawene Nawe não seria permitida e que seria “perigoso” insistir na viagem. Foi dito que todas as lideranças locais, a polícia e o judiciário estavam com os fazendeiros. Esmurrando a mesa, o prefeito Hilton Campos afirmou os visitantes não eram bem-vindos a Juína e que ele não iria permitir a ida do grupo para o Rio Preto em hipótese alguma, sendo aplaudido fervorosamente pelos colegas fazendeiros. Ele chegou a afirmar que a estrada seria bloqueada mesmo depois de termos declarado de que essa não era não era nossa intenção. O senhor Aderval Bento ofereceu como alternativa uma ida à TI Arara, mas não aos Enawene, proposta que também foi recusada por caracterizar intromissão indevida no direito de imprensa. O presidente da Câmara, sr. Chicão, disse, ameaçador, que “se sair a ampliação da terra indígena, o conflito será inevitável. Várias dessas declarações e ameaças estão gravadas no DVD.

Depois de reiterar a natureza da viagem, o coordenador do Greenpeace disse que aquela reunião era uma clara demonstração de que o direito constitucional de ir e vir e a liberdade de imprensa não valiam em Juína.

Para evitar maiores conflitos e por estar a ida de barco, que leva mais de 6 horas, à TI Enawene Nawe inviabilizada àquela hora, a viagem foi cancelada. Nosso grupo, então, se retirou e se dirigiu ao local de encontro com os Enawene, uma ponte sobre o Rio Preto a 60 km de distância de Juína, para dar a eles combustível e comida para a sua volta à aldeia e anunciar o cancelamento de nossa viagem. O combustível foi estocado em barris hermeticamente fechados para evitar riscos e levado na carroceria aberta de uma pick-up, como é praxe na região.

A viagem foi feita sob escolta policial. Mas nem isso evitou que os fazendeiros, que acompanharam a viagem de ida e volta em oito caminhonetes lotadas, continuassem intimidando e ameaçando o grupo visitante. Ao chegar a Juína, nosso grupo se dirigiu ao hotel para saldar a conta e partir. Curiosamente, as linhas telefônicas que permitiriam o pagamento com cartão de crédito não funcionavam. O piloto do avião que havia vindo nos buscar nos informou pelo celular que só poderia decolar até o pôr do sol. A seguir ligou novamente para avisar que uma pick-up branca havia chegado ao aeroporto vazio, o que lhe pareceu suspeito. Foi-lhe recomendado que decolasse e voltasse para Vilhena (RO), garantindo assim tanto a segurança do avião quanto a do piloto. Nosso grupo se refugiou no hotel, de onde não pudemos sair nem para comer por falta de segurança. Uma viatura da Polícia Militar ficou na área. Os soldados PM não impediram que o fotógrafo Alberto César fosse agredido depois de tentar documentar a agressão de um fazendeiro ao indígena Ameiro Enawene, que havia chegado ao local dos fatos para ver o que acontecia. Ameiro integrava um grupo de sete Enawene que estava na cidade em tratativas com o posto local da Funai. Todos foram coagidos pelos fazendeiros. O fotógrafo Alberto César se refugiou no hotel, que foi invadido por alguns fazendeiros. Eles foram contidos e retirados do local por policiais militares.

Nosso grupo foi advertido a não deixar o hotel e partir de Juína o mais rápido possível, o que caracteriza claro constrangimento ilegal, impedimento ao direito de ir e vir e ameaça à integridade física. Para assegurar isso, os fazendeiros fizeram uma vigília em frente ao hotel durante toda a noite. Eles se reuniram no bar em frente ao hotel, onde bebiam e faziam ameaças e ofensas à Opan, aos Enawene e aos visitantes. Edison, da Opan, narrou que foi intimidado pelos fazendeiros, que proferiam ameaças como “Vocês merecem ser amarrados e arrastados pelas ruas em caminhote para servir de exemplo”, ou “Se sair a demarcação, você (Edison) e Ivar terão de sumir do Brasil,
porque vamos achar vocês em qualquer canto” (ele se referia a Ivar Busato, coordenador geral da Opan). Edison disse ter ouvido também que não tinha sete vidas e devia tomar cuidado. Foi dito pelos fazendeiros que se os indígenas entrarem no Rio Preto para pescar, “vai morrer índio lá” e que “qualquer índio que morrer será de responsabilidade da Opan”. Lamentavelmente não pudemos gravar essas acusações devido a ameaças de que nossas câmeras seriam quebradas.

No início da noite de segunda-feira, a viatura policial que estava em frente ao hotel se retirou. Preocupado com o fato de o grupo de fazendeiros parava de crescer, o coordenador do Greenpeace telefonou ao coronel Gil e pediu ajuda. O coronel se dirigiu ao hotel, tentou tranquilizar Adario e disse que Juína era uma cidade ordeira e pacífica. Disse também que seria melhor não sair do hotel e se prontificou a comprar comida para nos alimentar. A proposta foi gentilmente recusada, já que a nosso ver caracterizava ainda mais o absurdo da situação, além de confirmar nossos temores. Mas foi solicitado ao coronel, que atendeu prontamente, a presença de uma viatura policial em frente ao hotel durante a noite, para evitar invasões e agressões por parte dos fazendeiros. Na terça-feira, dia 21, por volta de seis e meia da manhã, nosso grupo, acompanhado por duas viaturas policiais que em tese nos protegiam, se dirigiu ao aeroporto.

O ritual de expulsão e humilhação a que fomos submetidos incluiu um cortejo de 30 caminhonetes de luxo, entre elas Toyotas e Mitsubishis lotadas de fazendeiros, que nos escoltaram até o destino final, atravessando a cidade com faróis acessos e buzinando sem parar, enquanto os ocupantes nos insultavam e ameaçavam. Ao chegar ao aeroporto fomos advertidos por fazendeiros a decolar imediatamente, ou o avião seria atacado. Nossa proteção foi feita pelos soldados PM, que estavam em número muito inferior aos atacantes. Mais tarde fomos informados pelo funcionário Fabrício, da Funai de Juína, que o grupo de Enawene que estava na cidade tentou se dirigir ao aeroporto para nos apoiar, mas a estrada foi bloqueada por caminhonetes dos fazendeiros, que os ameaçaram. Segundo Fabrício, depois que decolamos, os fazendeiros, de volta à cidade, invadiram a sede local da Funai.

Ao mesmo tempo em que os governos federal e estadual celebram a queda das taxas de desmatamento na Amazônia, o episódio em Juína mostra que a sua presença ou é rala ou ainda está muito longe da região, enquanto autoridades locais agem como verdadeiros xerifes da floresta e senhores do direito alheio. Consideramos inaceitável que fazendeiros, com o apoio de autoridades locais, cerceiem a liberdade que todo cidadão tem de ir e vir e revoguem a Lei de Imprensa, cassando o direito de jornalistas exercerem sua profissão com segurança. Nos preocupa enormemente o clima de violência anunciada, as ameaças de morte aos indígenas Enawene e à Opan.

Em nossa petição ao MPF, pedimos a apuração dos fatos e a determinação de providências para que os povos indígenas como os Enawene; e as entidades que os apóiam, como a OPAN e a Funai, tenham assegurados o direito à vida, ao trabalho e à defesa de seus interesses. E que a disputa pela terra e pelos recursos florestas em Juína possa ocorrer de forma democrática e pacífica, assegurados os direitos e deveres dos grupos em disputa consoante com a Constituição Brasileira; que seja assegurado ao Greenpeace o direito de exercer sua missão e dever de defender a Amazônia, de acordo com o parágrafo 225 da Constituição Federal; e que jornalistas tenham assegurado o direito de exercer sua função em liberdade, como reza a Lei de Imprensa.

É isso ai.

Paulo Adario

24.8.07

As BINGOs e o movimento socioambiental brasileiro

O blog do Luis Nassif, http://luisnassif.blig.ig.com.br, reproduz um artigo enviado por um leitor, chamado "As ONGs ambientais, de Gustavo Faleiros e Andreia Fanzeres, publicado originalmente em O Eco (http://www.oeco.com.br).

Essa matéria, por sua vez, refere-se a recente artigo publicado na revista Science, onde a atuação das Big International Non Governamental Organisations -conhecidas como BINGOs, é criticada. A nossa querida Suzana Pádua, presidente do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), é uma das autoras do artigo.

Ainda não o li, mas compartilho desse sentimento comum a uma parte das pessoas que trabalham no setor (ONGs ambientalistas ou socioambientais brasileiras), mas sempre é preciso melhor qualificar e evitar generalizações, para não cometer injustiças. E nada melhor que explicitá-lo, como propôs já faz algum tempo Don Sawyer (ISPN), até para "educar" (termo que as BINGOs gostam de usar) os dirigentes de seus escritórios no Brasil.

Ainda vou ler o texto, para depois comentar com mais precisão, mas já adianto abaixo algumas questões que acho importantes (e que fizeram parte de meus comentários no blog do Nassif):

Em 1993, aposentado no IPEA, mergulhei em um mundo para mim totalmente desconhecido, o das ONGs ambientalistas.

Depois de "apanhar" muito, pois sempre falei o que pensava, aprendi como funciona esse ambiente muito particular: visto de fora é difícil, quase impossível, distinguir diferenças significativas entre as organizações. Mas elas são abismais, sob muitos aspectos, particularmente na questão do financiamento de suas atividades.

Como toda criação social, existem organizações sérias e outras nem tanto...Separar as pedras do feijão (prefiro essa expressão a "joio do trigo"..) só com alguma vivência no setor, acompanhada de senso crítico e independência.

As BINGOS detêm praticamente todo "marketing" do setor, com raras exceções para ONGs nacionais como SOS Mata Atlântica (ISA e Ipê em fase de crescimento). E isso reflete-se, naturalmente, no espaço ocupado na imprensa e na capacidade de cada uma conseguir financiamento para seus projetos. Há uma evidente "disputa de mercado", especialmente porque as fontes de financiamento desejam ver seus projetos na mídia, para também, por sua vez, poderem explicar suas aplicações aos doadores...

A atuação dessas BINGOS no Brasil depende e varia muito de acordo com quem está à frente de seus escritórios em nosso país. Além disso, algumas pretendem ser mais "científicas", deixando de lado as questões chamadas "políticas" ou de "ativismo" no dia-a-dia, mas todas procuram influenciar de alguma forma políticas e programas governamentais.

Muitas delas trazem pautas de atuação de suas matrizes, adicionando algum ingrediente local, e outras procuram uma relação mais intensa com ONGs locais, sejam ambientalistas, sejam sociais.
Acho que é assunto para um livro. Quem sabe, um dia desses...

Em síntese, há um sentimento de "amor e ódio"entre as organizações pequenas e independentes, em suas relações com as BINGOs: quando as pautas e políticas são comuns, há excelentes trabalhos conjuntos, que se demonstram extremamente importantes para o avanço do processo de defesa socioambiental no país. Mas muitas vezes as pautas e políticas são conflitantes, ou desconhecem a existência de uma rede de organizações locais e passam por cima delas com pautas e alianças inaceitáveis, etc.

20.8.07

Sacudindo a poeira no IPEA

Finalmente o IPEA está sendo presidido por alguém que pensa o longo prazo e que, mais importante ainda, aparentemente não tem como objetivo pessoal valorizar-se no mercado das consultorias. Não que todos aqueles que ocuparam esse posto nos últimos vinte anos tivessem essa pretensão, mas era o que boa parte passava para os ipeanos.

Acho extremamente importante que o respeito pelas diferenças de perspectiva, de "escolas", de posicionamento político e de opinião sejam mantidas - pois isso é essencial para o avanço no debate de idéias e proposições, e foi o marco do ambiente da instituição mesmo no brabo tempo da ditadura - mas permitir o aproveitamento indevido e privado da "griffe" IPEA deve ser coibido. Nisso o que está em jogo não é essa questão da pluralidade mas, sim, o respeito à história da própria instituição.

Que ventos arejados tirem a poeira que se abateu no IPEA e nos tragam estudos relevantes para o avanço da igualdade em nosso país, em termos de distribuição de renda e melhoria geral da qualidade de vida de nossa população.

7.8.07

O longo prazo está chegando

Quando começamos a trabalhar a questão dos impactos da soja no território, em 1994, sabíamos que era um processo de sensibilização e articulação social de longo prazo, dado o total desconhecimento da sociedade civil brasileira a respeito do assunto.

Várias organizações não governamentais brasileiras e internacionais foram somando-se ao processo, de forma articulada ou isolada, até que uma ação efetiva do Greenpeace em 2006 atingiu os grandes compradores e disparou os chamados mecanismos de mercado com que a Articulação Soja -Brasil contava para sensibilizar as grandes traders internacionais.

E os efeitos desse trabalho coletivo prosseguem na cadeia de produção da soja:
Nos próximos dias 22 a 24 do corrente mês, a Famato (Federação da Agricultura do Mato Grosso) estará realizando a segunda edição de sua "Bienal dos Negócios da Agricultura", em Cuiabá (MT), com o tema Produção Sustentável: o caminho para o futuro do agronegócio.
De acordo com seu presidente, Homero Alves Pereira, para seguir no negócio a atividade agrícola tem que "...investir mais e sempre no que poderia ser chamada de Revolução Gerencial, em que a agricultura seja vista como um elo de um novo modelo...". "É preciso informação, organização e consciência do impacto da atividade em todos os setores. A palavra sustentabilidade (grifo meu -MG) deve passar a nortear as decisões de empreendedores responsáveis", enfatiza o presidente da Famato.

Para ele, a 'Produção Sustentável: o caminho para o futuro do agronegócio'... visa ajudar a avaliar as oportunidades e desafios atuais e a traçar os cenários futuros, buscando sempre as diretrizes de uma agricultura geradora de riqueza e distribuidora de renda de forma duradoura, com bases econômica, social e ambientalmente sustentáveis"(grifo meu -MG).

Mesmo sendo cético quanto à real prática dos produtores de soja, nesse início de mudanças de perspectiva, deve-se frisar que a adoção desse discurso e proposta já representa um grande avanço do setor, reconhecendo que existem impactos negativos ambientais e sociais relevantes, que devem ser prevenidos e minimizados. Deixa para trás posturas que refletiam o isolamento e auto-referência, passando a se integrar mais às condições de mercado internacional, destino de sua produção, e que serve de referência às suas decisões de gestão.
O longo prazo começa a chegar, agora, para iniciativas de meados da década passada.

2.8.07

Jean Pierre em Alta Floresta -MT

Jean Pierre Leroy, da FASE, estará amanhã palestrando em Alta Floresta –MT, no seminário “Os desafios do Mato Grosso Sustentável e Democrático”, que o FORMAD –Fórum Matogrossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento realiza nessa cidade, com o apoio do ICV –Instituto Centro de Vida e outras ONGs locais.
Como Jean Pierre não apenas fala mas, sempre, procura ouvir seus interlocutores, creio que será uma ocasião importante para fazer avançar o debate sobre a questão da soja e como as ONGs se posicionam frente ao problema.

Para quem vai o lucro?

Nos sete primeiros meses do ano, informa Mauro Zafalon em sua coluna Vaivem das commodities (FSP, 02.08.07), o agronégócio do país exportou 21% acima do ano passado, considerando-se o mesmo período do ano, chegando a US$ 22,3 bilhões. O chamado “complexo soja” vendeu ao exterior, nesse mesmo período de 2007, US$ 6,3 bilhões, dos quais US$ 4,2 bi foram em grãos.

Ora, será que sendo 70% das vendas realizadas com produto agrícola in natura ainda pode-se falar em “complexo”? enquanto a Argentina tem uma legislação que incentiva pelo menos o processamento inicial dos grãos, a eles incorporando valor e vendendo óleo (maior exportador mundial) e farelo, o Brasil, a partir da malfadada “Lei Kandir” foi no caminho inverso, incentivando a “desindustrialização” do complexo e ainda gerando dívidas do governo Federal com os Estados origem dessas exportações de grãos.

Redução de custos
Nessa mesma coluna, Zafalon informa que a MRS Logística elevou seu lucro líquido em 22%, no primeiro semestre do corrente ano em relação a igual período de 2006, e que o grande destaque nessa performance foi o crescimento de 35% no transporte de soja e milho para os portos e de 17% de adubos e fertilizantes para o interior do país.

Ora, isso traz uma significativa redução dos custos efetivos de transporte: quem está se apropriando desse resultado, apenas a MRS? As traders, os produtores? Quem sabe a própria MRS poderia das mais informações a respeito?