27.8.07

Juína, MT: "autoridades" desconhecem Constituição Federal

A gente sabia que o Faroeste reinava na Amazônia, mas fatos como esse que ocorreram em Juína, MT, abaixo descritos, não deixam de chocar, revoltar e indignar.

É preciso que o Estado Nacional esteja presente na região, e que "autoridades" locais como as de Juína, além de pessoas truculentas e agressoras como essas sejam processados e punidos com o rigor da lei.
Minha total solidariedade com os companheiros do Greenpeace, da OPAN, o povo indígena Enawene Nawe, os funcionários da FUNAI e os jornalistas que os acompanhavam.

É preciso que organizações como FBOMS, OAB nacional (pois um representante local da OAB foi, no mínimo, conivente com tudo), ABI, FENAJ, entre outras, manifestem sua indignação e repulsa com os autores desses constrangimentos ilegais. Membros da Câmara e do Senado, bem como as instâncias superiores do Poder Judiciário também devem ser mobilizados.

Vejam, a seguir, descrição dos fatos enviada por Paulo Adário, que chefia o projeto Amazônia do Greenpeace:
Data: Domingo, 26 Aug 2007

Meus caros:

O caso a seguir se refere a ameaças à Operação Amazônia Nativa (OPAN) e ao povo indígena Enawene Nawe, bem como a jornalistas internacionais e à equipe do Greenpeace que os acompanhava a Juína (MT) - ameaças estas feitas por representantes do poder público local e por fazendeiros da região nos dias 20 e 21 de agosto. No dia 23, já em segurança em Cuiabá, apresentamos denúncia formal ao Ministério Público Federal, solicitando providências que garantam a integridade física dos membros da OPAN, que apóiam os Enawene; dos próprios indígenas ameaçados, e que assegurem o respeito ao direito constitucional de ir e vir e a liberdade de imprensa. Os fatos narrados resultaram na expulsão, por um grupo de fazendeiros e políticos locais, de dois representantes da Opan, dois jornalistas franceses e uma jornalista brasileira, um cinegrafista canadense, um fotógrafo brasileiro e dois ativistas do Greenpeace, entre eles o jornalista e coordenador do Greenpeace na Amazônia, Paulo Adario. Como comprovação dos fatos, apresentamos ao procurador Mario Lucio Avelar, do MPF-MT, um DVD com cerca de duas horas de imagens feitas em Juína.
O texto abaixo faz parte do documento entregue ao Procurador Federal.

Dos fatos:

Na tarde de 20 de agosto de 2007, domingo, avião do Greenpeace com a equipe de jornalistas pousou no aeroporto de Juína. Nos dirigimos ao Imperial Palace Hotel, onde encontramos os integrantes da OPAN, Edison Rodrigues de Souza e Juliana de Almeida.

O Greenpeace está documentando desmatamentos e queimadas na Amazônia. Nosso grupo estava de passagem pela cidade em direção à terra indígena Enawene Nawe. O objetivo da escala em Juína e ida à aldeia Halatakwa, situada na TI Enawene Nawe, era fazer um trabalho jornalístico para mostrar que aquele povo indígena - que vive de agricultura e pesca - tem uma convivência sustentável com a floresta e a diversidade biológica apesar de fazer pequenos desmatamentos para suas roças e barragens provisórias para a captura de peixes. A ida à aldeia foi autorizada pela liderança indígena que, em contrapartida, pediu que levássemos alguns líderes para sobrevoar a região onde está prevista a construção de PCHs que poderão impactar os rios de onde retiram seu alimento. Os jornalistas franceses documentavam ainda o trabalho do Greenpeace e a relação entre a entidade ambientalista e grupos locais.

No final da tarde de domingo, pouco depois de nossa chegada ao hotel, fomos abordados por três fazendeiros - dois homens e uma mulher - querendo saber quem éramos e o que estávamos fazendo em Juína. Entre os fazendeiros estava o sr. Aderval Bento, que se apresentou como presidente da associação dos produtores rurais do Rio Preto (Aprur). Ele queria saber se nós éramos antropólogos de um grupo de identificação da área do Rio Preto. Segundo ele, a área onde estão localizadas suas fazendas é reivindicada pelos indígenas Enawene Nawe, e que essa demanda seria estimulada pela OPAN. O sr. Bento fez duras críticas à organização. Esclarecemos que ele estava equivocado, que nosso destino era a aldeia indígena e não a região do Rio Preto, e nos identificamos como jornalistas. Suspeitamos que nossa presença tenha sido comunicada aos fazendeiros pelo proprietário do hotel, um senhor de origem portuguesa que teria uma propriedade no Rio Preto, informação que não podemos confirmar.

O representante da Opan Edison disse que são os indígenas quem reivindicam a reintegração de parte do território tradicional que teria ficado de fora da demarcação e que contém uma área de pesca cerimonial, fundamental nos rituais sagrados dos Enawene. Segundo Edison, a Opan não os estimula a reivindicar a área do Rio Preto. Essa informação nos foi confirmada posteriormente, em Cuiabá, pelo coordenador geral da Opan, Ivar Busato.

Os três fazendeiros disseram do tipo “Então é o você o Edison, que está por trás disso tudo”. O comentário nos pareceu conter uma ameaça velada ao representante da Opan.

Os fazendeiros ficaram ainda mais irritados quando souberam que jornalistas integravam o grupo que estava no hotel. Disseram que havíamos ido lá levados pela Opan, o que, como foi explicitado acima, não é correto. Nos foi dito claramente pelo grupo de fazendeiros que eles iriam se opor ao processo de reconhecimento da área e não iriam admitir a perda das terras que dizem ser suas. Foi uma conversa tensa.

Na manhã seguinte, o hotel onde estávamos foi cercado por mais de uma dezena de fazendeiros, entre eles o presidente da Câmara Municipal de Juína, que exigiram esclarecimentos sobre os objetivos de nossa viagem. Foi-lhes explicado que a viagem não se destinava à área em disputa mas à aldeia indígena Halatakwa, situada na TI Enaewne Nawe, terra essa já demarcada e homologada pelo governo federal. Os fazendeiros não acreditaram. Um deles segurou Paulo Adario pela gola da camisa, ameaçador. O presidente da Câmara exigiu que o coordenador do Greenpeace se identificasse e abandonasse a idéia de ir à terra indígena. Tanto o pedido inusitado de identificação quanto a proposta de abandonar nosso objetivo foram rejeitados por serem descabidos. O grupo visitante foi intimado pelos fazendeiros e o presidente da Câmara a seguir para a Câmara Municipal, onde uma sessão especial foi rapidamente organizada por convocação dos fazendeiros e do presidente da Câmara. Naquelas circunstâncias, sentimo-nos coagidos a obedecer para evitar conflitos que inviabilizassem a viagem e aumentassem os riscos a que estão submetidos tanto a Opan quanto os Enawene.

A reunião na Câmara foi longa, tensa – durou cerca de 6 horas – e marcada por ameaças diretas ou veladas. Estavam presentes o prefeito da cidade, Ilton Campos; o presidente da Câmara, conhecido como Chicão; o presidente da OAB local, o presidente da associação dos fazendeiros da região do Rio Preto, Aderval Bento; um senhor que foi anunciado como presidente da Associação Comercial, Geraldo Bento; o diretor da Fiest e presidente do sindicato dos madeireiros, Paulo Perfeito; vários vereadores e mais de 50 fazendeiros. E também a polícia, além do tenete-coronel PM Gil, comandante do Comando Regional VIII da Polícia Militar da região. A sessão variou entre um debate e um clima de interrogatório policialesco pleno de ameaças. Os fazendeiros repetiram que a entrada do grupo na terra Enawene Nawe não seria permitida e que seria “perigoso” insistir na viagem. Foi dito que todas as lideranças locais, a polícia e o judiciário estavam com os fazendeiros. Esmurrando a mesa, o prefeito Hilton Campos afirmou os visitantes não eram bem-vindos a Juína e que ele não iria permitir a ida do grupo para o Rio Preto em hipótese alguma, sendo aplaudido fervorosamente pelos colegas fazendeiros. Ele chegou a afirmar que a estrada seria bloqueada mesmo depois de termos declarado de que essa não era não era nossa intenção. O senhor Aderval Bento ofereceu como alternativa uma ida à TI Arara, mas não aos Enawene, proposta que também foi recusada por caracterizar intromissão indevida no direito de imprensa. O presidente da Câmara, sr. Chicão, disse, ameaçador, que “se sair a ampliação da terra indígena, o conflito será inevitável. Várias dessas declarações e ameaças estão gravadas no DVD.

Depois de reiterar a natureza da viagem, o coordenador do Greenpeace disse que aquela reunião era uma clara demonstração de que o direito constitucional de ir e vir e a liberdade de imprensa não valiam em Juína.

Para evitar maiores conflitos e por estar a ida de barco, que leva mais de 6 horas, à TI Enawene Nawe inviabilizada àquela hora, a viagem foi cancelada. Nosso grupo, então, se retirou e se dirigiu ao local de encontro com os Enawene, uma ponte sobre o Rio Preto a 60 km de distância de Juína, para dar a eles combustível e comida para a sua volta à aldeia e anunciar o cancelamento de nossa viagem. O combustível foi estocado em barris hermeticamente fechados para evitar riscos e levado na carroceria aberta de uma pick-up, como é praxe na região.

A viagem foi feita sob escolta policial. Mas nem isso evitou que os fazendeiros, que acompanharam a viagem de ida e volta em oito caminhonetes lotadas, continuassem intimidando e ameaçando o grupo visitante. Ao chegar a Juína, nosso grupo se dirigiu ao hotel para saldar a conta e partir. Curiosamente, as linhas telefônicas que permitiriam o pagamento com cartão de crédito não funcionavam. O piloto do avião que havia vindo nos buscar nos informou pelo celular que só poderia decolar até o pôr do sol. A seguir ligou novamente para avisar que uma pick-up branca havia chegado ao aeroporto vazio, o que lhe pareceu suspeito. Foi-lhe recomendado que decolasse e voltasse para Vilhena (RO), garantindo assim tanto a segurança do avião quanto a do piloto. Nosso grupo se refugiou no hotel, de onde não pudemos sair nem para comer por falta de segurança. Uma viatura da Polícia Militar ficou na área. Os soldados PM não impediram que o fotógrafo Alberto César fosse agredido depois de tentar documentar a agressão de um fazendeiro ao indígena Ameiro Enawene, que havia chegado ao local dos fatos para ver o que acontecia. Ameiro integrava um grupo de sete Enawene que estava na cidade em tratativas com o posto local da Funai. Todos foram coagidos pelos fazendeiros. O fotógrafo Alberto César se refugiou no hotel, que foi invadido por alguns fazendeiros. Eles foram contidos e retirados do local por policiais militares.

Nosso grupo foi advertido a não deixar o hotel e partir de Juína o mais rápido possível, o que caracteriza claro constrangimento ilegal, impedimento ao direito de ir e vir e ameaça à integridade física. Para assegurar isso, os fazendeiros fizeram uma vigília em frente ao hotel durante toda a noite. Eles se reuniram no bar em frente ao hotel, onde bebiam e faziam ameaças e ofensas à Opan, aos Enawene e aos visitantes. Edison, da Opan, narrou que foi intimidado pelos fazendeiros, que proferiam ameaças como “Vocês merecem ser amarrados e arrastados pelas ruas em caminhote para servir de exemplo”, ou “Se sair a demarcação, você (Edison) e Ivar terão de sumir do Brasil,
porque vamos achar vocês em qualquer canto” (ele se referia a Ivar Busato, coordenador geral da Opan). Edison disse ter ouvido também que não tinha sete vidas e devia tomar cuidado. Foi dito pelos fazendeiros que se os indígenas entrarem no Rio Preto para pescar, “vai morrer índio lá” e que “qualquer índio que morrer será de responsabilidade da Opan”. Lamentavelmente não pudemos gravar essas acusações devido a ameaças de que nossas câmeras seriam quebradas.

No início da noite de segunda-feira, a viatura policial que estava em frente ao hotel se retirou. Preocupado com o fato de o grupo de fazendeiros parava de crescer, o coordenador do Greenpeace telefonou ao coronel Gil e pediu ajuda. O coronel se dirigiu ao hotel, tentou tranquilizar Adario e disse que Juína era uma cidade ordeira e pacífica. Disse também que seria melhor não sair do hotel e se prontificou a comprar comida para nos alimentar. A proposta foi gentilmente recusada, já que a nosso ver caracterizava ainda mais o absurdo da situação, além de confirmar nossos temores. Mas foi solicitado ao coronel, que atendeu prontamente, a presença de uma viatura policial em frente ao hotel durante a noite, para evitar invasões e agressões por parte dos fazendeiros. Na terça-feira, dia 21, por volta de seis e meia da manhã, nosso grupo, acompanhado por duas viaturas policiais que em tese nos protegiam, se dirigiu ao aeroporto.

O ritual de expulsão e humilhação a que fomos submetidos incluiu um cortejo de 30 caminhonetes de luxo, entre elas Toyotas e Mitsubishis lotadas de fazendeiros, que nos escoltaram até o destino final, atravessando a cidade com faróis acessos e buzinando sem parar, enquanto os ocupantes nos insultavam e ameaçavam. Ao chegar ao aeroporto fomos advertidos por fazendeiros a decolar imediatamente, ou o avião seria atacado. Nossa proteção foi feita pelos soldados PM, que estavam em número muito inferior aos atacantes. Mais tarde fomos informados pelo funcionário Fabrício, da Funai de Juína, que o grupo de Enawene que estava na cidade tentou se dirigir ao aeroporto para nos apoiar, mas a estrada foi bloqueada por caminhonetes dos fazendeiros, que os ameaçaram. Segundo Fabrício, depois que decolamos, os fazendeiros, de volta à cidade, invadiram a sede local da Funai.

Ao mesmo tempo em que os governos federal e estadual celebram a queda das taxas de desmatamento na Amazônia, o episódio em Juína mostra que a sua presença ou é rala ou ainda está muito longe da região, enquanto autoridades locais agem como verdadeiros xerifes da floresta e senhores do direito alheio. Consideramos inaceitável que fazendeiros, com o apoio de autoridades locais, cerceiem a liberdade que todo cidadão tem de ir e vir e revoguem a Lei de Imprensa, cassando o direito de jornalistas exercerem sua profissão com segurança. Nos preocupa enormemente o clima de violência anunciada, as ameaças de morte aos indígenas Enawene e à Opan.

Em nossa petição ao MPF, pedimos a apuração dos fatos e a determinação de providências para que os povos indígenas como os Enawene; e as entidades que os apóiam, como a OPAN e a Funai, tenham assegurados o direito à vida, ao trabalho e à defesa de seus interesses. E que a disputa pela terra e pelos recursos florestas em Juína possa ocorrer de forma democrática e pacífica, assegurados os direitos e deveres dos grupos em disputa consoante com a Constituição Brasileira; que seja assegurado ao Greenpeace o direito de exercer sua missão e dever de defender a Amazônia, de acordo com o parágrafo 225 da Constituição Federal; e que jornalistas tenham assegurado o direito de exercer sua função em liberdade, como reza a Lei de Imprensa.

É isso ai.

Paulo Adario

Um comentário:

Anônimo disse...

estou testando, já que o Marco Antônio informou que o site exige senha para inserir comentários