15.7.07

A briga do Executivo com Legislativo pela máquina estatal

Há uma grande confusão e mitos envolvendo gestão pública e privada.

Eu, por exemplo, pedi demissão de uma empresa privada após quatro meses de trabalho, e vejam porquê: propus e foi aprovado pela direção a criação de um sistema de controle de custos, que serviria de referência para elaboração de orçamentos competitivos em licitações (era uma empreiteira). Quatro meses de trabalho junto com um arquiteto mais antigo na empresa, e vamos todos contentes apresentar o programa (desenvolvido em uma velha -já para época - máquina de contabilidade, cheia de pinos, alavancas etc) ao dono. Apresentamos o programa, suas vantagens, etc. E o dono da empresa rasga elogios ao nosso trabalho mas diz, suavemente (mais ou menos isso, reproduzo com os poucos neurônios que ainda funcionam, e já se vão lá 40 anos...):
- meus amigos, gostei muito mas não vou usar. Sabem como é: se começar a controlar meus gerentes regionais com isso, vou perdê-los. Sei que cada um me tira um naco, mas são eles que arranjam os contratos. Não quero perdê-los por uma bobagem dessa, pois não é o preço competitivo que vai me trazer contratos: são os contatos dos gerentes que geram o faturamento. Assim está bom e não vou mudar.

Claro que fui imediatamente escrever a carta de demissão. Mas alguns anos depois vi que, do ponto de vista dele e de sua empresa, ele estava corretíssimo: é assim que as coisas funcionam nesse país. A empresa até hoje vai bem, obrigado.

Por outro lado, trabalhei em nichos dinâmicos do serviço público, sei que diferentes da máquina estatal em geral por não se tratarem da Administração Direta. Nesses lugares todos os servidores, então, suavam a camisa para um trabalho coletivo chegar a um bom resultado, com rapidez, eficiência, virando noites e fins de semana, se preciso fosse. E, pelo menos até então, as gestões se pautavam pelo interesse público, sem desvios de recursos, e alcançavam resultados.
Sim, devo esclarecer que em todos esses lugares o regime de contrato era CLT, mas não fazia diferença, pois ninguém se preocupava com relação à estabilidade no emprego, por exemplo - embora em uma determinada fase do IPEA - onde, sem qualquer problema, todas as críticas contra o governo eram admitidas, discutidas e até mesmo escritas em documentos - algumas poucas pessoas tenham sido demitidas, infelizmente, por questões políticas (foram reintegrados com a anistia).

Porque os servidores deixaram de ser contratados no regime da CLT? é uma briga antiga, dentro da máquina pública, onde de tempos em tempos se aperta o controle e depois o Poder Executivo tem sucesso em obter saídas, consegue afrouxar "as garras" do Tribunal de Contas da União/Poder Legislativo: quando as Autarquias entraram no rígido controle do TCU, algum tempo depois de criadas com regras operacionais menos rígidas que as dos Ministérios, a solução do Executivo foi inventar Empresas Públicas que, aos poucos, foram também submetidas ao controle do TCU. Substituindo as empresas, apareceram então as Fundações de Direito Público.
A Constituinte de 1988 voltou a apertar o Poder Executivo, acabando com as contratações em CLT e reimpondo um Regime Jurídico Único (RJU) no funcionalismo junto com o Concurso Público, um dos pilares no controle do preenchimento de vagas públicas, que vem do fim da década de 1930 com o DASP. E a criação de entidades pelo Poder Executivo passou a ser controlada pelo Legislativo, que as tem que aprovar.

FHC tentou contornar o RJU e o controle do Poder Legislativo/TCU através de organizações civis de interesse público (Bresser Pereira), chegando a colocar algumas sob controle privado, mas o interesse então era mesmo nos grandes negócios da privatização das empresas estatais.

Agora, o atual governo vem com propostas semelhantes. Talvez até funcione para hospitais, mas como o Sarah é o único exemplo que conheço, acho que vai ser difícil (parece que são 250) achar tanta gente com as características e capacidade gerencial necessárias para que, pelo menos, a metade dê certo.

Vamos aguardar: o importante, para mim, é que a população tenha um atendimento decente no Sistema Único de Saúde, que os recursos públicos sejam corretamente utilizados, que os funcionários trabalhem bem e, em contrapartida, recebam salários dignos da competência, dedicação e esforço realizados.

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